A camisola da avó que virou tema de pesquisa: estudo analisa como objetos mantêm vivas histórias de família

Na simplicidade de uma camisola antiga, a pesquisadora Caroline Dias encontrou não apenas uma memória, mas um caminho inteiro de pesquisa e a oportunidade de reconstruir a história da família. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ela tem dedicado seus estudos aos objetos e às memórias. Designer por formação, Caroline conta que sempre teve interesse pela teoria, mas não encontrava espaço para suas inquietações dentro do campo tradicional do design. Foi ao cursar disciplinas em Ciências Sociais que começou a entender que poderia pensar os objetos para além da função estética ou prática — como carregadores de significados, afetos e histórias.


+ Receba as principais notícias de Santa Maria e região no seu WhatsApp


A virada aconteceu de forma despretensiosa, quando precisou escrever um artigo para uma disciplina da graduação em Ciências Sociais. Sem saber como começar, recorreu à mãe em busca de algum objeto antigo da família. Foi então que surgiu a camisola da avó.

– Quando ela me mostrou, aconteceu uma coisa muito estranha que eu nunca tinha experienciado, que é como se eu tivesse visto a minha avó a partir daquela camisola – conta. 

Foto: Thais Immig


Etnografia em família

Lembrar é um ato social, enfatiza Caroline – com base nos tantos teóricos que passaram pelas leituras da pesquisa. É como se os objetos funcionassem como portais: podem nos transportar a tempos que vivemos ou que apenas imaginamos. Ao transformar a camisola em tema de pesquisa no mestrado, Caroline realizou uma etnografia dentro da própria família. Nesse processo, muitas histórias vieram a tona:

– Foi muito interessante porque a partir desses objetos, as minhas tias foram trazendo suas próprias histórias. Então foi um reencontro meu com essas mulheres e um encontro dessas mulheres com o passado delas porque iam lembrando de fatos que já tinham esquecido. 

Para Caroline, o valor dos objetos e não está na sua utilidade ou preço, mas no que eles representam:

– Um móvel pode atravessar quatro ou cinco gerações. O corpo humano não é capaz disso, mas os objetos, sim.


Objetos que contam histórias de imigração

Ao pensar no contexto das imigrações, como a italiana e a alemã, a importância dos objetos fica ainda mais evidente. São casos em que uma panela, à disposição dos móveis em um cômodo da casa ou vestimentas, contam como viviam aqueles que cruzaram o oceano em busca de novas oportunidades – e por aqui ficaram. Na região, espaços como a Casa Charlote, em Agudo, ou o Museu do Imigrante, em Vale Vêneto, guardam todas essas memórias materiais.

Muitos imigrantes cruzaram o oceano apenas com uma mala. Então, trazer uma pequena coisa, uma xícara, um lenço, um livro, era uma tentativa de permanência. De trazer um pedaço do lar para reconstruir outro aqui – afirma a pesquisadora. 

Na Casa Charlote, objetos de imigrantes alemães ajudam a contar a história da regiãoFoto: Beto Albert (Arquivo/Diário)


O bom apego às coisas materiais 

Desde que começou a compartilhar sua história com a camisola, Caroline percebeu que outras pessoas passaram a se abrir também.

As pessoas têm uma vontade imensa de contar suas histórias, mas muitas vezes não têm com quem. Existe um julgamento sobre quem se apega às coisas materiais, como se fosse fútil. Mas quando alguém se dispõe a escutar de verdade, sem julgamento, essas histórias aparecem – afirma.

Por isso, a pesquisadora reforça a importância de olhar com carinho para os objetos que herdamos:

– Guardar um objeto é um modo de continuar. É uma forma de manter por perto quem já partiu. É construir um lar com pedaços de outros tempos.


Leia também:

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Santa Maria inaugura Centro de Juventude Reconstrução neste sábado com programação cultural, esportiva e de serviços Anterior

Santa Maria inaugura Centro de Juventude Reconstrução neste sábado com programação cultural, esportiva e de serviços

Com salários acima de R$ 10 mil, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul abre concurso Próximo

Com salários acima de R$ 10 mil, Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul abre concurso

Geral